JOHN LENNON, O ETERNO MITO E A ETERNIDADE DOS HOMENS

Artigo de C�ssio Tomaim


O sangue escorria pela escadaria ao som de gritos dolorosos que sucumbiam o sil�ncio daquela noite de oito de dezembro de 1980. Quem viu a cena n�o esquece jamais: �s 22h48 um homem de quarenta anos estava ca�do no ch�o ap�s ter sido baleado em frente ao edif�cio Dakota em Nova York. Sangrava muito e sua mulher que acompanhara toda a cena gritava apavorada: Foi baleado! Atiraram nele! Foi baleado! O assassino, Mark David Chapman, um jovem de 25 anos de idade, foi preso sem nenhuma resist�ncia minutos ap�s o assassinato poucos quarteir�es dali. Calmamente em p� lia O Apanhador no Campo de Centeios, de J. D. Salinger. O homem baleado foi levado rapidamente para o Hospital Roosevelt, mas pouco depois da meia-noite o an�ncio de sua morte veio atrav�s das palavras do diretor do servi�o de emerg�ncia, Stephan Lynn: "Foram feitos v�rios esfor�os para tentar ressuscit�-lo, mas mesmo com transfus�es e outras provid�ncias emergenciais n�o foi poss�vel salv�-lo. Ele sofreu m�ltiplos ferimentos � bala no peito, bra�o esquerdo e nas costas. Ao todo, havia sete ferimentos no corpo, n�o sei exatamente ainda quantas balas. O ferimento mais grave atingiu os principais vasos do peito, que provocaram uma perda significativa de sangue. Essa hemorragia foi a respons�vel pela sua morte. Tenho certeza de que ele morreu segundos depois que os primeiros tiros o atingiram". Os tiros foram certeiros e o jovem assassino sabia o que estava fazendo, ele selava de vez, mesmo que de forma tr�gica, o homem que dava lugar ao mito: John Lennon.

V�rios �dolos da m�sica, do esporte, do cinema ou at� da pol�tica necessitam de morrer - e alguns at� tragicamente - para que eles se eternizem definitivamente como mitos diante do coro popular. Mas com Lennon fora diferente, apesar de toda a como��o que envolveu a sua morte ele nunca precisaria esperar algo semelhante ao daquele dia oito de dezembro para ser lembrado n�o somente como o l�der de uma das maiores bandas de rock do mundo, The Beatles � como se isso fosse t�o pouco � ao contr�rio, Lennon antes de sua morte j� tra�ara o seu caminho para a eternidade sem nenhuma pretens�o, era mais que o vocalista dos Beatles, era um pacifista, um revolucion�rio e um questionador. Os seus atos e a��es falariam por ele, entre os seus menores gestos e as suas m�sicas n�o ter�amos o que escolher para represent�-lo, tudo daria significado um dia para a exist�ncia de um homem como John Winston Lennon. Paul McCartney afirmaria dois dias ap�s a sua morte: �John era um grande homem, que ser� lembrado por suas originais contribui��es na arte, na m�sica e na paz mundial.

A dor da morte do �dolo do rock dos anos 70 se mistura com ironias que a vida nos prega. Nunca se esperaria que um dia aquele que lutou pela paz durante toda a sua vida, abdicara da medalha de "Membro do Imp�rio Brit�nico" devido o envolvimento da Inglaterra na situa��o da Nig�ria-Biafra e o apoio do pa�s aos americanos no Vietn� seria morto por tiros assim que chegasse na porta de sua resid�ncia ap�s um longo dia de trabalho no est�dio. A ironia � ainda maior: o jovem Mark David Chapman era f� dos Beatles e horas antes do acontecido ele conseguira um aut�grafo de Lennon em um de seus discos.

Os disparos do rev�lver de Chapman calaram de vez a voz do ex-Beatles mas n�o as suas m�sicas. Para muitos o sil�ncio de Lennon era mais que l�grimas nos olhos de seus f�s, era o fim de um homem de frases e a��es pol�micas e de v�rios inc�modos em alguns setores da sociedade. Em 4 de mar�o de 1966 John Lennon d� a pol�mica declara��o � rep�rter Maureen Cleave em uma entrevista para o jornal Evening Standard, de Londres: "O Cristianismo acabar�. Ele vai desaparecer ou encolher. N�o preciso nem argumentar sobre isso. Estou seguro e o tempo vai provar que estou certo. N�s somos mais populares que Jesus, agora. N�o sei o que ir� primeiro, o rock�n�roll ou o cristianismo. Jesus era muito legal, mas seus disc�pulos eram est�pidos e ordin�rios. Isso arruinou tudo para mim". A sua declara��o causou a maior confus�o e revolta por parte dos religiosos que movimentavam campanhas para que n�o se comprassem mais os discos dos Beatles e milhares de LPs foram quebrados e queimados em pra�a p�blica. A Santa Inquisi��o voltara e mais uma vez os discos de rock�n�roll eram sacrificados em nome do pecado e do dem�nio. Alguns meses depois da pol�mica John tentou explicar, em outra entrevista, os motivos que o levaram a dizer aquilo, afirmando que ele fora mal interpretado. Na verdade, n�o estava querendo dizer que os The Beatles eram melhores ou maiores que Cristo, mas tentando fazer uma rela��o entre a popularidade da religi�o cat�lica e a influ�ncia que o grupo exercia sobre a juventude naquele momento. �N�o consegui me expressar muito bem, esse foi meu grande erro. Eu apenas quis dizer, no meu iletrado modo de falar, que a mensagem original de Cristo foi sendo deturpada pelos disc�pulos, mudada por v�rios motivos e interesses pessoais por aqueles que o seguiam, at� o ponto de se perder a validade para muitos nos dias de hoje. Estou envergonhado de n�o ter pensado melhor sobre o que as pessoas est�o dizendo sobre isso a milhas de dist�ncia daqui. Acredito em Deus, mas n�o como uma coisa, n�o como um bom velhinho que est� no c�u. Acredito que o que as pessoas chamam de Deus � algo que todos t�m. Acredito que Jesus, Buddha e Mohammed e todos os outros tenham falado seja certo. Apenas as interpreta��es do que eles disseram � que est�o erradas�. As suas �ltimas declara��es n�o tiveram o mesmo impacto do que a anterior, mas mesmo com todas estas revoltas a banda de Liverpool n�o saiu abalada no cen�rio mundial, os devotos da boa m�sica estavam al�m das exarcebadas cren�as religiosas.

Podem ter a certeza de que em nenhum momento a morte do �dolo foi o seu �nico trampolim para a eternidade. John Winston Lennon foi mais do que John Lennon, foi um homem que apesar de suas irrever�ncias lutou, cantou e soube usufruir de sua popularidade em nome da paz. Diante deste Homem, deste Mito s� me basta pedir "(...) give peace a chance".


Artigo de C�ssio Tomaim, cedido pelo autor para publica��o na Beatles Home Page.